sábado, 27 de junho de 2015

CÉUS

Tu és um mundo com mundos por dentro
e nós temos muito, mas tanto
para dizer um ao outro!
Vem! Vem esta noite, suplico-te
para fazermos de perto
juntos a vida toda.
Seremos beijos, um profundo beijo
que se quer e que demora
seremos alimento um do outro
e logo, tudo se devora
e por isso mesmo, vamos fazer
o que ainda não foi feito
porque amanhã, pressinto, eu sei
talvez já seja tarde demais.

Lanço-me das grandes e infinitas falésias
do nosso imenso desejo
para a imensidão e sofreguidão
das nossas bocas
e, conscientíssima, afundo-me
nas ondas da tua língua
que implacável e exasperada
espera já a minha.
É na tua pele, só na tua pele 
que a minha se acende e se revigora
escutando o que a tua alma
tem para lhe contar
ainda a dormir, hibernada 
mas em poucas palavras, diz-se tanto
pois nos teus apurados sentidos
há tudo e mais um mundo.

Amor, não dormimos nada, mesmo nada
a noite anterior, a noite passada
porque ficámos os dois
embevecidos e tão abraçados
contando aqueles pontinhos brancos
todos, pois, as estrelas
que desabrochavam e cintilavam
no meu e no teu olhar.
Não sei como, nem porquê
espalharam-se todos pela nossa cama
sem que déssemos por isso 
entrega mútua, inigualável, tamanha
mas agora que o sol já está espreitando
vamos aninharmo-nos
muito bem um ao outro, e dormir.

Mesmo a dormir, enceta-me e penetra-me
colhendo todos os desejos e anseios
que, magicamente, plantaste
sugando-me a boca
e até mesmo a alma, se quiseres
acalmando o desatino
que tanto provocas em mim. 
Deixa a volúpia, o frémito e a ternura
e mais a loucura assistirem
ao empenho e desempenho total
da tua insaciável libido
atracada ao meu corpo pulsante
alvoroçado de amante
enlaçada na minha língua, de rastos
mas bem explorada.

Vem! Cobre-me a pele toda, todinha
sem deixar nada, nadinha
com o teu manto espesso nos lençóis
peço-te, suplico-te
acrescentando-lhe charcos de saliva
para entregar alma e vida
à ribeira sereníssima, que eu sou,
e tira-me o fôlego de vez.
Depois, e quando eu despertar, acordar
e sem que tu dês por nada
vou colar com muitos beijos
só com os meus beijos
estrita e unicamente engendrados
e somente a ti destinados
os pontos brancos estelares, os do céu
no céu da tua boca.


CÉU


quarta-feira, 10 de junho de 2015

CADEIRA DE BALOIÇO

Estou toda desalinhada na minha cadeira de baloiço
matreira, coçada, sabida, ousada, segredeira
habituada a posições desconchavadas
e por isso, já nem se queixa
e nem tuge nem muge, coitada!
É confidente, cúmplice, amiga, espaço devasso
onde não tenho posturas ensaiadas
alinhavadas e costuradas
que a sociedade depravada resolveu impor
em forma de fachada à consciência
mas a minha, há muito, que estava sã e purificada. 

É nela que viajo por antros profanos e estranhos
que só eu sei onde os procurar e achar
e neles toda me entregar e enlear
como uma serpente domesticada
que faz habilidades por nada
apenas perscruta, obedece, executa
sem tão pouco questionar.
É na minha astuta cadeira que me dilato
alimento e me abro
como e quando eu muito bem quiser
e com quem me apetecer
porque ela engaveta segredos
muito melhor que um ser pensante, racional
e é deveras superior, asseguro-vos
a qualquer cama sumptuosa, vulgar, convencional.

Só nela, pois, me espreguiço, enrosco e desenrosco
e me dou, quando me pretendo espraiar
libertar, endiabrar, soltar e aliviar
e aquela doce tarada, ainda me instiga
quando me diz, descarada
para eu me escancarar, me divertir
me mostrar e ainda sorrir.
Na opinião dela, eu tenho tudo a desfrutar
a usufruir e a ganhar
na mais obscena provocação, libertinagem
e péssima formação
que jamais me foi ensinada, nem incutida
pensada, aprendida e utilizada
não fazendo parte
do meu curriculum vitae e esmerada educação.

Hoje, vou colocar um baby-doll de cetim macio
que impressione, que atice
burguês, de alças safadas, à mercê
e bem à vontade do freguês
de pezinho ao leu e cabelo emproado
com um acessório provisório
que é verbo de encher, pois já está torto
lasso, e quase todo solto.
Sobre a minha pele, ai que desavergonhada
não tenho nada, nada, nada
pois sou liberdade, natureza sem espartilho
e toda, mas toda veracidade
vista no cruzar e descruzar de pernas
melhor que Sharon Stone
numa pose sensual e mais que total
irreverência voraz, atraente e substância fatal.

Felizmente, por vontade e opção, vivo sozinha
e a casa é totalmente minha
nela faço o que me apetece, o que maquino
e que me entontece
com gemidos e gritos sortidos
filhos da minha essência solta, adjacente
que já está habituadíssima
a estas maluquices inconsequentes.
Lendo-me, gosto de ser felina e libertina
e de proceder deste modo
sem nada nem ninguém me repreender
me rotular e me criticar
mas também me dá prazer amuar
fazer beicinho e choramingar
para que me desejem
como doce aprazível, conventual e irresistível.

Apesar deste meu comportamento raro, invulgar
vejam vocês, amigos, só o descaramento
que me chegou aos ouvidos
já surdos, mudos e empedernidos
para aquilo que os outros possam achar
observar e classificar
porque eu sei muito bem quem sou
o que faço e o que valho.
Então, não é que o meu amor, afirmou
gritou a plenos pulmões
que adoraria que eu fizesse no corpo dele
sem quaisquer hesitações
tudo aquilo que executo, desempoeirada
insubmissa e desvairada
na minha doce cadeira de baloiço
mas penso, acho, que ele não tem arcaboiço.

Bem, mas de qualquer forma, vou experimentar
nem que seja somente a brincar
para avaliar e acreditar no sentimento
que tanto o devora
e que diz ter por mim, e do qual tenho dúvidas
muitas, cem, mil, sem fim
para que toda a verdade seja posta à prova
sem qualquer demora.
Esta noite vou convidá-lo para vir a minha casa
só para conversar e tagarelar
e depois iniciarei a minha normal atuação
com classe e muita elevação
para que eu veja as reações dele, as atitudes
os gestos e as emoções
obtendo eu, desta maneira simples
uma radiografia sensitiva e certamente conclusiva. 

Ouvem-se as pancadas de Molière, as do coração
começando o meu corpo a insinuar-se
a aconchegar-se e a dar-se
numa volúpia exacerbada e incontrolável
num êxtase sem transgressão
que lhe mostrava bem quem eu era
o que fazia e o que por ele, deveras, sentia.
Mas, sinto-me a desfalecer
quase a morrer nos braços dele
sem hipótese alguma de dizer amo-te
nem que fosse a última palavra
que eu proferisse
antes de partir, ir de vez 
para o implacável fogo do inferno
mas um beijo dele, quente, longo e terno
devolveu-me à vida, bonita e querida, para sempre.


CÉU

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